Nem revolucionários, nem subservientes: as origens do sindicalismo no Brasil

Criado em: 28/02/2018 - 11:45 | Alterado em: 28/02/2018 - 13:07

Em artigo publicado em prestigiosa revista internacional, pesquisador do Cecult derruba alguns mitos sobre o movimento sindical carioca no começo do século passado.

Antes mesmo da consolidação do Partido Comunista no país em meados dos anos 1920, o movimento sindical do Rio de Janeiro já estava em polvorosa. No período da Primeira República (1889–1930), os trabalhadores cariocas se viam divididos: de um lado estava a vertente reformista que valorizava a estabilidade institucional e financeira das organizações operárias para atingir seus objetivos; do outro a ala revolucionária que defendia uma organização autônoma e sem distinção hierárquica, dispostos a agir por meio de boicotes, sabotagens e greves para conquistar melhores salários e condições de trabalho.

Contudo, as fronteiras ideológicas dos dois grupos eram muito mais fluidas do que a visão dogmática consagrada por ativistas e pesquisadores ao longo da história, como aponta o artigo “Revolutionary Syndicalism and Reformism in Rio de Janeiro’s Labour Movement (1906–1920)”, de autoria do pesquisador do Cecult Claudio Batalha.

Publicado na nova edição da revista International Review of Social History, produzida pelo Internationaal Instituut voor Sociale Geschiedenis (IISG), da Holanda, o estudo inédito na língua inglesa desconstrói uma falsa concepção que persiste até hoje na academia, a de que o sindicalismo revolucionário seguia a risca a ideologia anarquista e que propunha uma tomada de poder pela classe trabalhadora.  Em outras palavras, para muitos, o sindicalismo revolucionário não era uma questão de princípio, mas sim uma estratégia caracterizada pela ação direta.

“O sindicalismo revolucionário brasileiro era certamente mais sindicalista do que revolucionário em seus próprios termos, precisamente porque tinha menos afinidade com o horizonte ideológico de um projeto maior (‘revolução’) e mais com a pedra angular do sindicalismo, limitada à luta ‘econômica’”, define em seu trabalho o professor doutor do Departamento de História da Unicamp.

Em contrapartida, Batalha demonstra que os adeptos do reformismo também eram um grupo heterogêneo. Apesar de taxados por seus detratores de conservadores e subservientes, eram influenciados por vertentes diversas que abrangiam desde o Positivismo ao Socialismo. Não era raro participarem de greves, apesar da prática ser encarada como último recurso de negociação. Em contraste com o sindicalismo revolucionário, qualquer auxílio para obter suas demandas era benvinda, então, durante os conflitos trabalhistas, eles frequentemente apelavam para figuras de autoridade como advogados, funcionários públicos ou políticos, por exemplo. Outra característica do reformismo residia em não privilegiar exclusivamente a ação por meio de sindicatos, recorrendo a outras formas de solidariedade como as cooperativas ou as sociedades mutualistas.

Essa porosidade ideológica culminou na radicalização de ambas as vertentes, quando estouraram na então capital do Brasil uma série de greves a partir de 1917 que prosseguiram até 1919. Os protestos foram uma reação  ao crescimento da atividade industrial nacional após o fim das importações devido a Primeira Guerra Mundial, que não foi acompanhado por uma melhoria no custo de vida dos trabalhadores, que permaneciam com os salários congelados.

Em 1920, o sindicalismo se viu fortalecido como nunca durante a realização do Terceiro Congresso Brasileiro dos Trabalhadores que reuniu mais de setenta e duas delegações presentes, das quais trinta e duas eram do Distrito Federal.  Mas o sindicalismo da Velha República não conseguiu sobreviver às mudanças que o trabalho estava passando durante os últimos anos.  “Aparentemente, o congresso tentou realizar a tarefa impossível de obter um consenso mínimo entre as diversas vertentes, propondo que os sindicatos evitassem todo envolvimento na política, incluindo ideologias como o anarquismo, ao mesmo tempo que propunha que os trabalhadores se envolvessem em política fora dos sindicatos. Sem contar que, uma parcela dos anarquistas passou a se voltar para outras experiências, como os Trabalhadores Industriais do Mundo e particularmente a Revolução Russa, e participaram da formação do Partido Comunista do Brasil em 1922”, conclui o autor.

Sobre a publicação

Fundada em 1956, a International Review of Social History publica artigos acadêmicos que se concentram na pesquisa sobre a história social e laboral de uma perspectiva transnacional, aceitando trabalhos que abrangem o período moderno. A revista publica quatro números por ano pela Cambridge University Press em nome do IISG.