"Trabalhadores dos Trilhos" revê oposição entre escravidão e liberdade no Brasil do século XIX

Criado em: 24/10/2016 - 12:13 | Alterado em: 24/10/2016 - 13:01
Robério Trilhos 1

A história dos trabalhadores que se engajaram na construção da ferrovia Bahia and San Francisco Railway, na segunda metade do século XIX, na Bahia, é o tema do livro "Trabalhadores dos Trilhos - Imigrantes e Nacionais Livres, Libertos e Escravos na Construção da Primeira Ferrovia Baiana (1858-1863)", de Robério S. Souza, lançado pela Editora da Unicamp.

O livro, que resulta de tese de doutorado em História Social defendida na UNICAMP, compõe um amplo e aprofundado painel das precárias e instáveis condições de trabalho e de vida, enfrentadas pelo grande e diversificado grupo de trabalhadores envolvidos na construção da ferrovia, integrado por imigrantes (sobretudo italianos), trabalhadores nacionais livres, libertos e escravos.

Diferentemente da visão predominante na historiografia clássica, que associa as ferrovias com a modernidade e com as primeiras experiências de trabalho livre tipicamente capitalistas no Brasil, a obra revela um cenário complexo, que escapa às dicotomias, a partir da experiência e da convivência dos trabalhadores na construção da ferrovia, no qual as fronteiras entre liberdade e escravidão trabalho livre e trabalho escravo eram tênues.

A partir da análise de diversos tipos de documentos (relatórios financeiros e técnicos da empresa, ofícios, correspondências, processos criminais e judiciais, documentos oficiais), Souza mostra que nos canteiros de obra da ferrovia reunia-se uma multidão de homens, compondo uma força de trabalho predominantemente braçal e sem especialização. Robério Trilhos 2

Escravos foram deliberadamente arregimentados pela empresa, embora a legislação imperial proibisse tal prática. Também havia cativos que fugiam das senzalas a fim de trabalhar clandestinamente nas obras da ferrovia, disfarçados de homens livres ou libertos. Evadir-se e misturar-se ao grande grupo de operários que acompanhavam as obras de construção parece ter sido uma estratégia de muitos escravos que almejavam se livrar do cativeiro. Além de operários nacionais e estrangeiros, principalmente imigrantes italianos contratados, havia técnicos e gerentes britânicos trabalhando na ferrovia. 

Na convivência do universo de trabalho, esse contingente compartilhava experiências comuns de opressão, cerceamento da liberdade, exploração, sociabilidade e conflitos. Assim, ao mesmo tempo em que as diferenças incentivavam conflitos e rivalidades, as semelhantes condições de vida e de trabalho a que estavam submetidos e as contradições que viviam dentro e fora dos canteiros de obra os levavam a ser solidários, construir alianças e a agir em conjunto para reivindicar direitos ou reclamar de abusos sofridos.

Desse modo, para além da ferrovia e de um episodio regional, "Trabalhadores dos Trilhos" contribui para a compreensão de alguns dos temas fundamentais da história do trabalho no Brasil: as fronteiras e as conexões entre liberdade e escravidão, experiências de trabalho compulsório e os processos de formação de identidade de classe.
 

Robério Trilhos capa
A obra

Título: “Trabalhadores dos trilhos - Imigrantes e nacionais livres, libertos e escravos na construção da primeira ferrovia baiana (1858-1863)”
Autor: Robério S. Souza
Editora:  Editora da Unicamp
Ano: 2016
http://www.editoraunicamp.com.br/lancamento_detalhe.asp?id=1079

O autor
Robério S. Souza é doutor em História Social da Cultura pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor de História do Brasil da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). É autor de "Tudo pelo trabalho livre! Trabalhadores e conflitos no pós-abolição, 1892-1909" (Edufba, 2011), além de artigos publicados em coletâneas, revistas e periódicos. Integra o grupo de pesquisa Escravidão e Invenção da Liberdade, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia (PPGH/UFBA).